O custo da corrupção: US$ 4 trilhões/ano

Em artigo intitulado: "A política brasileira na contramão da civilização", Alex Fiúza de Mello, ex-reitor da UFPA, ex-secretário do Estado, professor e cientista político, aborda de maneira cirúrgica um problema mundial cada vez mais grave: a corrupção. Que sangra da riqueza mundial, todos os anos, aproximadamente 4 trilhões de dólares, desviados para o pagamento de propina e para as transações ilícitas.

Segue artigo:

"A corrupção é fenômeno constitutivo da natureza humana. Da vida em sociedade. Sempre existiu em todos os tempos e culturas, desde as etnias tribais mais antigas às sociedades tecnologicamente mais avançadas do mundo contemporâneo. O que varia são as formas, a escala e as consequências do comportamento corrupto para o conjunto da sociedade.

Por todo o histórico evolutivo desse tipo de ocorrência e pelo volume de estudos a ele já dispensado, hoje se sabe – com base em sólida empiria e análises comparativas – que a corrupção é prejudicial ao desenvolvimento econômico e social de qualquer povo ou nação, constituindo-se num dos fatores mais lesivos ao progresso civilizatório.
Estima-se que, a cada ano, cerca de US$1 trilhão é extraviado por subornos e outras modalidades de propina, enquanto que o montante aproximado de US$ 3 trilhões é desviado pela corrupção (em suas múltiplas variantes), soma essa assombrosamente equivalente a mais de 5% do PIB mundial – ou 15 vezes o que seria necessário para alimentar os 800 milhões de famintos do planeta, segundo contabilidade da FAO.

São valores originários do trabalho decente e honesto do conjunto da população dos dois hemisférios, que, subtraídos, não circulam ou retornam em benefício dessa coletividade produtiva, apropriados que são, indevidamente, por aqueles poucos que se assenhoram, ilegal e despudoradamente, da extorsão.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) calcula que nos países em desenvolvimento – caso do Brasil – a quantia de fundos desviados de seus destinos pela corrupção chega a ser 10 vezes superior ao efetivamente aplicado em setores de assistência social.
Tal escandaloso transvio, ademais, não impacta, unicamente, na redução (ou perda de qualidade) dos serviços essenciais à saúde e ao bem estar das populações mais vulneráveis; ele também contamina governos e as próprias instituições do Estado, ao estimular redes de crime organizado e promover delinquência de “colarinho branco”, infiltradas em todas as instâncias do poder público – Executivo, Legislativo e Judiciário – e das organizações privadas, com efeitos metastáticos para todo o organismo social, ameaçando o seu futuro.
Nesse seguimento, o Fórum Econômico Mundial acostumou-se a publicar o Índice Global de Produtividade, que inclui vários fatores intervenientes no processo de desenvolvimento socioeconômico, com destaque para o item que trata de ética e corrupção.

Foi com base nesses dados que o analista de planejamento Guilherme Hirata, do IDados, em um célebre post publicado em 11/07/2017 (“Corrupção e Desenvolvimento”), analisou a relação desse índice com outros quatro indicadores de referência: PIB per Capita, Desigualdade de Renda, Competitividade e Notas no Pisa, chegando a conclusões dramáticas para o Brasil: as correlações entre esses indicadores são deveras significativas, sendo que, em todas elas, o país se mostra fortemente atingido, comparativamente à demais nações. Em decorrência, fica a dúvida, por ele (logicamente) posta, se é o fracasso da educação nacional que fertiliza o excesso de corrupção ou se é o excesso de corrupção que corrói a educação nacional.
Certo é que a educação de má qualidade, em terras verde-amarelas, vítima, em boa medida, da corrupção, está retratada nos baixos índices de desempenho nas avaliações nacionais e internacionais, com impacto negativo nos demais fatores que promovem o desenvolvimento. Ou seja: para o Brasil se desenvolver, urge reduzir, drasticamente, a escala da corrupção e, ao mesmo tempo, melhorar o nível da educação – agindo-se assim, correlatamente, nas duas interdependentes variáveis.
Recentemente, o Brasil obteve uma forte piora em sua colocação no ranking que avalia a percepção da corrupção no mundo, divulgado pela Transparência Internacional – com foco especial no setor público. Desde 2017, o país caiu 17 posições no IPC (Índice de Percepção da Corrupção) em comparação ao ano anterior, passando a ocupar o 96° lugar dentre os 180 países investigados.

Na escala que vai de zero (mais corrupto) a 100 (menos corrupto), o Brasil aparece com 37 pontos, três a menos que em 2016. Atualmente dividindo a posição com Colômbia, Indonésia, Panamá, Peru, Tailândia e Zâmbia, o país fica atrás de outras nações, como Timor Leste, Sri Lanka, Burkina Faso, Ruanda e Arábia Saudita; além de situado no “rabo da fila” dentre os Brics (que também inclui Rússia, China, Índia e África do Sul) – à frente, tão somente, da Rússia, que alcançou 29 pontos.
Decerto, a corrupção afeta cada cidadão em particular e o conjunto da coletividade em geral, acarretando, via-de-regra, inúmeros e ruinosos prejuízos para todos: menos prosperidade; menos respeito por direitos; menos (e mais deficitários) serviços públicos; menos empregos; menos confiança no futuro; menos autoestima e, além de tudo, mais desigualdade.

Por isso, a erradicação da corrupção se tornou ponto crucial, eleito pela ONU, para o atingimento das metas do progresso humano no século XXI – como as consagradas nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). A luta contra esse crime é, atualmente, uma das principais prioridades das agências de desenvolvimento, assim como de um número crescente de países.

Não por acaso foi instituída pela Assembleia Geral da ONU, em 2003, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, com o propósito de ser o primeiro instrumento jurídico internacional destinado a combater esse difuso e ameaçador problema mundial. Hoje, composta por 171 “Estados Parte” (a maioria dos Estados Membros da ONU), a Convenção, da qual o UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime) é guardião, cobre quatro áreas principais de atuação, a saber: prevenção; criminalização e medidas de aplicação da lei; cooperação internacional; e recuperação de ativos – além de disposições relativas à assistência técnica e à troca de informações, com disseminação de normas anticorrupção inovadoras e mundialmente aceitas, que se aplicam tanto ao setor público quanto ao privado.

Não é sem propósito, portanto, que a luta contra a corrupção se tornou o maior desafio da hodierna sociedade brasileira. Desafio político e econômico, infelizmente, ainda não assimilado pela classe política, em sua maioria. Esta, ao contrário, com o respaldo e a paradoxal cumplicidade do Supremo Tribunal Federal, tem caminhado, insensata e vergonhosamente, justo na contramão dos avanços civilizatórios presentes e das recomendações dos Acordos internacionais.

Todas as principais medidas aprovadas pelo Parlamento e pelo STF, em 2019 – sobretudo com o intento de desqualificar e, mesmo, exterminar a “incômoda” Operação Lava Jato –, testemunham este triste diagnóstico: transposição dos processos de crimes de Caixa 2, associados a eleições, da Justiça comum para o Superior Tribunal Eleitoral (desprovido de pessoal qualificado para a tarefa); Lei do Abuso de Autoridade (que inibe e cerceia a execução das ações penais por Delegacias, Procuradorias e Juizados de primeira instância); transposição do COAF (destinado a monitorar as atividades financeiras com suspeita de lavagem de dinheiro) do Ministério da Justiça para o Banco Central; fim do instituto da prisão em segunda instância; manipulação do projeto de lei que trata da extinção do foro privilegiado; deturpação do Pacote Anticrime, do ministro Sérgio Moro, com a criação da figura do “Juiz de Garantias” (com o intento de dificultar o trâmite processual penal na primeira instância do Judiciário), etc.

Fato é que, se não revertida, em tempo hábil, essa deletéria tendência, o Brasil já pode se considerar, a priori – com base nos padrões civilizatórios exigidos para a travessia do iniciado centenário –, condenado pelo tribunal da história.
Em pleno século XXI, que inaugura o Terceiro Milênio, mantido o “andar da carruagem”, os brasileiros continuarão a amargar a habitual condição de nação incompleta, colonizada, dependente, desnorteada; além do mais, capturada pelo crime e afamada – afora o futebol e o carnaval – pela alcunha de “paraíso da corrupção” – nefasto espólio legado pelas atuais e obscuras “Excelências” de colarinho branco (e de toga) para as lesadas gerações futuras. “Excelências”, aliás, que nada mais fizeram na vida que adotar para si, despudoradamente, a máxima do rei francês Luis XV, por este formulada ao perceber – pelo grau de corrupção da nobreza – que a monarquia estava prestes a ruir: “Après moi, le déluge” (“Depois de mim, o dilúvio”) – o premonitório bosquejo “moral” do desastre!"

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