MEMÓRIA – O Pará contra a ameaça atômica



O título da postagem até nos remete àqueles filmes sobre a Guerra fria, protagonizados pelo agente britânico James Bond. Mas trata de um episódio bastante real da história recente do nosso estado, que completa 32 anos neste Círio.


Em agosto de 1986, um ano após a redemocratização, o jornal Folha de São Paulo exibiu uma manchete preocupante: "Brasil prepara local de teste nuclear". O jornal contava que o governo brasileiro, através do Programa Nuclear Paralelo, estava construindo instalações subterrâneas para provas nucleares e armazenamento de lixo atômico na Amazônia, na Base Aérea da Serra do Cachimbo, sul do Pará, próximo ao Município de Itaituba. Um dos poços, com 320 metros de profundidade, já ficara pronto e custara cerca de US$ 5 milhões.





Um ano após esta revelação, no dia 13 de setembro de 1987, o instinto curioso e a falta de informação de dois catadores de lixo de Goiânia foram fatores decisivos para o maior acidente radioativo já ocorrido no Brasil: ao vasculharem as antigas instalações do Instituto Goiano de Radioterapia, no centro de Goiânia, tais homens depararam-se com um aparelho de radioterapia abandonado e tiveram a infeliz ideia de remover a máquina com a ajuda de um carrinho de mão. O desastre fez centenas de vítimas, todas contaminadas por meio de radiações emitidas por uma única cápsula que continha a substância césio-137. 


O trabalho de descontaminação dos locais atingidos não foi fácil. A retirada de todo o material contaminado rendeu cerca de 6000 toneladas de lixo (roupas, utensílios, materiais de construção etc.). E o Governo Federal precisava de um local para depositar todo este material contaminado. A decisão do Planalto caiu como uma verdadeira bomba no nosso querido estado do Pará: O lixo seria enviado para cá, justamente para a Base aérea da Serra do Cachimbo.


A notícia gerou indignação no povo paraense, e pânico na população dos municípios próximos da área, principalmente em Itaituba, que temia ser afetada pela radioatividade, por estar muito próxima ao local.


O então Governador do Pará, Hélio Gueiros, reagiu energicamente diante da possibilidade do Pará vir a ser destinatário de lixo atômico. Não podia compreender como é que o Estado, tão importante por suas riquezas naturais, responsável por grande parte da produção de mineral, fora escolhido como a lixeira do país. Publicou na imprensa nacional carta aberta ao Presidente da República, José Sarney, afirmando que "O Pará não é lata de lixo do Brasil" e elencou outros 10 possíveis lugares apropriados para o despejo do material. 




Ao mesmo tempo em que deixava que fosse conhecida a sua posição política, o Governo do Pará iniciou um processo de consultas destinado a barrar, na Justiça, a decisão de enviar o lixo atômico de Goiânia. Iniciou-se, então, uma verdadeira "queda de braço" entre os governos Estadual e Federal, com apoio da bancadas paraenses, na Assembleia e no Congresso, empresários, líderes religiosos católicos e Evangélicos e entidades de defesa ao meio ambiente – entre elas, a Sociedade para Proteçâo dos Recursos Naturais e Culturais da Amazonia, liderada pelo ambientalista Camilo Vianna, falecido recentemente. Porém, autoridades de Brasília e do Sul e Sudeste do país defendiam que o local mais apropriado seria aqui. 



A sociedade paraense reagia contra a decisão e o Círio de Nazaré daquele ano virou palco de protestos. Sob os olhos de todo o país, centenas de manifestantes entraram na procissão com cartazes e máscaras de protesto e foi, progressivamente, ganhando apoio dos fiéis, estimulados também pelas declarações das autoridades católicas do Pará, contrárias ao depósito dps rejeitos radioativos. Romeiros carregavam faixas com os dizeres "Nossa Sra. de Nazaré, livrai-nos do lixo atômico!".



Na tentativa de contornar a situação, o Planalto enviou o Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, o físico militar Rex Nazaré, para conversar com o governador. Quando perguntado por repórteres que cobriam o Palácio do Governo se iria receber o enviado de Brasília, o Governador respondeu: “O Pará não vai ser destinatário de lixo nenhum e eu não vou perder tempo discutindo com um sujeito com nome de cachorro”,  despertando risadas nos jornalistas.


O ponto mais crítico desta "Guerra Fria ao Tucupi" – semelhante, guardadas as devidas proporções, a crise dos mísseis de Cuba – foi no dia 14 de Outubro de 1987, quando os caminhões carregados com os dejetos radioativos largaram de Goiânia, através da Rodovia Santarém-Cuiabá, com destino a Serra do Cachimbo. Cerca de 250 homens armados e 40 mil garimpeiros em Itaituba garantiram que iriam impedir a passagem dos caminhões, recorrendo à força, se necessário.



Quando perguntado pela imprensa sobre a situação, o Governador disparou: "Estou aqui para o que der e vier." E não descartou a possibilidade de, em último recurso, enviar tropas da PM para bloquear a estrada.


Felizmente, o então presidente José Sarney , na undécima hora, enviou um comunicado a Belém informando que cancelara o envio dos rejeitos e iria abrir um debate nacional para que chegassem a uma solução. O comunicado foi recebido com comemorações em todo o estado, principalmente em Itaituba.


Quando o Governo federal desistiu de enterrar o lixo atômico na Serra do Cachimbo, menos de duas semanas depois de anunciar que lá era o lugar ideal, não teve saída a não ser improvisar em outra direção: foi enviado ao Congresso um projeto segundo o qual cada Estado da Federação seria responsável pelo destino do lixo atômico produzido dentro dos limites de seu território. O Governo estava apenas querendo ganhar tempo, pois, no momento em que enviou seu projeto ao Congresso, os deputados discutiam a nova Constituição do País.


Os rejeitos acabaram depositados, atendendo às recomendações do IBAMA e CNEN, no Parque Estadual Telma Ortegal, criado em Goiânia, dentro de uma "montanha" artificial onde foram colocados no nível do solo, revestida de uma parede de aproximadamente 1 metro de espessura de concreto e chumbo. Após todo o imbróglio, o governo do Pará sancionou lei que proíbe o depósito de qualquer rejeito radioativo em solo paraense e, após assumir a presidência, em 1990, Collor, simbolicamente, jogou uma pá de cal do buraco na base de Serra do Cachimbo, encerrando definitivamente o projeto e lacrando o local.


Surpreendentemente, quase 20 anos depois, em 2005, na série de reportagens do Fantástico "Dossiê Brasília", sobre Segredos do poder, Sarney revelou ao repórter Geneton Moraes que mentiu para evitar problemas diplomáticos com a Argentina. Ele confirmou que o buraco no Sul do Pará, de fato, seria usado para testar "uma bomba atômica". E que o Governo americano também mantinha interesse na área, a fim de "alugá-la" para realização de testes nucleares. Na época, no entanto, o Planalto afirmou que o buraco seria usado "meramente" como depósito de lixo atômico.

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